Há tanto que não te vejo e não
ouço ninguém falar do teu cantar que quase me esqueci de ti. Foi quando hoje,
olhei pela janela e vi o abacateiro, nem havia me dado conta de que ele ainda
existia. No instante primeiro não consegui identificar o que tal frutífera me
lembrava, até que pensei escutar um canto, canto bonito – que encanta como canto
de seria – aí, lembrei-me da tua antes estimada presença e dos teus encantos.
Pena que o coração não apertou. Me dói muito, passarinho, não sentir mais a
falta tua, tu me fostes tão precioso. Mas não me lembro ao certo porque voastes para longe de mim, meu
terreiro era tão bonito...
Sei que a ausência primeira me
dói mais que esta outra de agora, não existe mais vazio. O lugar que era teu se
preencheu por um oco que muito me ensinou. Fizestes-me tantas promessas de
retorno, mas nem a lembrança deixou que viesses me visitar. Aonde quer que
estejas não te exaltes, não culpo somente a ti. Sei que também tenho eu
colaboração gigantesca para teu sumiço. Reconheço: com o aperto da ausência
fiquei despeitada, te queria tão perto de mim que só ajudei a te mandar para
longe.
De fato descuidei do que te
mantinha em mim, deixei de regar teu abacateiro – canto preferido teu no meu
terreiro -; ainda cheguei a rega-lo algumas vezes com últimas lágrimas que
derramei, mas o tempo passou e nem percebi que sua última folha caia. Ali, caiu
junto à esperança e vontade de te ouvir cantar outra vez. O tempo aumentou seus
dias e esqueci completamente do abacateiro.
Hoje, que por coincidência
infeliz tive essa lembrança, decidi regar o caule seco pela última vez. Não vou
cotar-lhe a raiz morta, no entanto, também não vou alimentar algo que já nem
vive mais. Sei que no terreiro em que estiveres vai sentir um sopro fraquinho
no pequenino coração e temer algo ruim. Mas aproveita essa sensação, esta é a
última vez em que eu me lembro de ti.
Gabi, não canso de te elogiar. Que texto mais lindo! Me peguei fora da tela do computador, fora do teu texto, mas presa nas tuas palavras. Lindo, lindo!
ResponderExcluirPensei em te dizer mil coisas,mas resolvi silenciar quando li isso: "Me dói muito, passarinho, não sentir mais a falta tua, tu me fostes tão precioso. Mas não me lembro ao certo porque voastes para longe de mim, meu terreiro era tão bonito..."
ResponderExcluirPerfeito, moça. Perfeito.
P.S: O meu sabiá vôou pra longe, e eu que pensei que não aguentaria acordar sem seus (en)cantos, sequer me lembro mais.
" Não vou cotar-lhe a raiz morta, no entanto, também não vou alimentar algo que já nem vive mais. " muito poético guria, muito bonito. Gostei bastante dessa tua "metáfora". Às vezes é bom, mesmo com saudade e boas lembranças, deixar o pássaro voar. beijinho
ResponderExcluirLindo texto!
ResponderExcluirVoltarei
se o abacateiro for simbólico, deixe-o morrer. se for uma árvore , não. . fruto é bom :3
ResponderExcluirHá três meses e uma semana tu postaste esse poema tão profundamente lírico, tão irremediavelmente verdadeiro e tão irresistivelmente doce quanto paradoxalmente doloroso...
ResponderExcluirSabiá que foi... Abacateiro que fica... Cantos que nos embalaram... O que a vida foi e já não é, o que sentimos e já não identificamos sentir, a saudade que virou o vazio... Esplendoroso! Mágico. Tu és uma autora rara e: ou alcançaste profundo conhecer do que se sente na vida, ou sentes profundamente o que na vida alcançaste viver. Beijos
Quando gostamos muito de alguém a lembrança é involuntária. Pensamos na pessoa vinte e quatro horas por dia. Com o passar do tempo, vai diminuindo até virar mera lembrança e o sentimento nutrido morre.
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