Começou numa quinta feira à tarde. Descobri que
tu ia ao parque todos os dias, sempre às dezessete horas e trinta minutos. Tirava o
terno bem passado e se sentava em cima, olhando sempre pra o mesmo lugar.
Olhando, olhando e olhando. Eu, de longe te observava. Todos os dias eu te admirava,
tentando adivinhar o que se passava na tua mente, pedindo a Deus - ou a
qualquer outra criatura que pudesse te colocar coisas na cabeça - que seu
principal objeto de reflexão fosse eu. Imaginei tantas vezes que tu me pegaria
te espiando, que me chamaria pra sentar do seu lado
e me roubaria um beijo oferecido, como das outras vezes.
No
entanto, nas poucas vezes em que fui flagrada, desconversei. Falei de
coincidência, do acaso, enrolei. Enrolei a língua pra não gritar que te amo e
fui embora - todas as vezes- com meu sentimento entalado. Prometia que da
próxima vez eu ia chegar até o fim, ia gritar sussurrando pro seu coração que
eu largaria tudo pra retomar o que achei ter começado. Mas sempre ficava pra
próxima.
Até
que em uma das próximas cheguei atrasada. Sentei no mesmo lugar de costumo e te
olhei sem querer enxergar. Era uma menina. Uma moça que passaria a ser tua
companhia das dezessete horas e trinta minutos e que se aninhava nos braços que eram meus, só meus.
Tentei levantar, mas o sofrimento forçado e adiado me prendia as pernas; queria
que eu fitasse a realidade. Impressiona dizer que não encarei? Depois que vocês
foram embora permaneci sentada, não sei se por minutos ou pelo infinito.
Prometi que não voltaria, mas cumprir promessas nunca foi meu forte.
Voltei.
Voltei todos os outros dias. Até que, depois de muitas, te vi sem ela uma tarde.
Meu coração resolveu reassumir a esperança que nunca abandonou. Te fitei,
queria que tu flagrasse meu crime. Porque dessa vez eu não voltaria engasgada. Não
sei se pelo acaso, que sempre me serviu de desculpas, ou por sintonia
telepática, tu me flagrou. Consegui te encarar por alguns segundos, quando você
me sorriu. Me sorriu da forma mais linda que alguém pode sorrir. E não esperei convite, caminhei determinada, achando que
seguia a trilha do seu coração.
Como de praxe, tu iniciou um discurso sem pé
nem cabeça que me fazia compreender o que eu acho ser amor. E divagou por horas
sobre coisas das quais não consigo me lembrar, mas que encheram meu peito de
coragem para te revelar o que eu chamava de “maior amor do mundo”. Respirei
fundo, abri a boca – repetindo o gesto diversas vezes. Lá pela centésima
octogésima nona tentativa, consegui pronunciar a primeira semivogal, que foi
interrompida bruscamente por mãos que te taparam os olhos e palavras que te foram
cochichadas.
Era ela. Mais bonita que minha vontade, sendo
ladra do mínimo da atenção que eu queria para mim. Sem anestesia nenhuma tu me
apresentou a ela, intitulando-a de “a mulher da sua vida”. Tive vontade de te relembrar
birra e de te falar que, apesar de você não saber e da aversão que eu tenho aos
rótulos, esse título era meu. Há muito tempo. Fiquei com vontade de bater,
espernear, chorar e te roubar definitivamente para mim. Mas como de costume,
enrolei, calei e fui embora para o que as pessoas chamam de futuro. No entanto,
permaneci descumprindo promessas – inclusive a de te esquecer.
Eras me identifiquei muito com o texto, pois sempre fui do tipo da paixão platônica nunca realizada, das promessas nunca cumpridas...
ResponderExcluirMas quem sabe um dia, não deixaremos o tarde demais nos deter...
beijos.
Quem sabe, flor...
Excluirbeijocas
Agradeço às suas palavras. E será um prazer dá um pulinho no seu blog! Bjs
ResponderExcluirA raridade com que escreves e a raridade do que tu escreves se contrapõem tanto, tanto, que me põem a pensar em por que tem que ser assim! Fontes de água fresca e límpida não deveriam ser intermitentes...
ResponderExcluirEssa moça sem nome, com seu amor platônico inconfessável traz a mais doce expressão do que é puro no mundo, apesar da aparente negatividade de sua ‘Inércia’. Não sei qual o percentual de homens que represento quando o digo, mas algum percentual de nós (que creio ser pequeno) sonha a vida inteira com um amor platônico, desarmado, despido de toda artimanha e de todos os jogos de conquista. Talvez porque sua essência é a pureza absoluta de um coração que só sabe amar aquela pessoa, só ela e mais ninguém. Isso chega a ser belo demais para ser verdadeiro. Tua história é bela demais para ser verdadeira. Infelizmente, o rapaz da história aparenta não estar neste percentual. Como disse David Gates, qualquer leitor do mundo daria milhões para ver, apenas por uma vez, os olhos e o olhar dessa menina que criaste. Belíssimo, como tudo que escreves. Beijosssssssss
Meu caro, repito: é sempre lindo e gratificante ler teus comentários. E um conselho te dou: mantenha-se nesse percentual e multiplique ele.
ExcluirBeeeijooo