Em uma daquelas nossas noites de devaneios você foi bastante incisivo ao afirmar que queria ter me encontrado em outro momento da vida. Eu, como de costume, calei e guardei para mim a certeza de que na minha vida você só encontraria espaço naquele instante.
Você com o coração carregado de angústia, sentindo ainda na boca o sangue quente - fruto de um golpe certeiro que a vida te deu, cheio de feridas abertas mas repleto de vontade de viver. Eu, do outro lado do abraço, compartilhando da mesma ânsia de me embriagar com liberdade, com o peito ainda tomado por alguns ferimentos, mas pela primeira vez, com o coração desarmado.Entende agora? Consegue ver o que a vida fez com a gente? Não podíamos ter nos encontrado em outro momento, meu rapaz. Torcer para esbarrarmos por aí em "melhores momentos da vida" seria matar esse amor antes mesmo que ele nascesse, apagá-lo sem dar possibilidades para que ele fosse escrito.
Eu sei, eu sei. Fica na boca um gostinho de derrota que o clichê gosta de chamar de "quero mais" e que a gente tenta mascarar com um gole de cerveja. Fica aquela angústia no peito. Aquela raiva da vida e da gente mesmo. Uma frustrações por não ter seguido em frente, por termos sido covardemente corajosos para não ver aonde podia dar. Bem sei o quanto dói abrir mão de algo sem motivo nenhum.
E aí a gente se consola calados. Dizendo que esse prenúncio mudo de fim é só para não magoar. A gente fica com o peito cheio de dúvidas, derramando lágrimas feitas de "porquês" no mais barulhento silêncio.
Não nego, queria respostas. Muitas respostas. Mesmo que elas me destruíssem. Mas deixa. O orgulho me abraça e me consola. Deita comigo todas as noites e me diz que vamos manter as aparências e ser bons amigos. A vida me manda engolir o choro e carinhosamente me enche de tapinhas nas costas, zombando de mim e me lembrando que "não foi dessa vez".
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