Por culpa dos encontros da vida - que muitas vezes resultam em desencontros - a gente vai se esbarrar. Talvez você esteja com uma menina de riso mais branco e fácil que o meu ou talvez eu realmente te encontre por aí de mãos dadas com a solidão. A gente vai rir um para o outro, mas não vamos nos encarar. Nossos olhares falam demais e podem, quem sabe, exigir os 'porquês' daquele final escandalosamente silencioso. Ou pior ainda, podem cogitar uma volta de, pelo menos, algumas horas.
Vamos cumprir nosso papel de bons amigos. Você vai me perguntar como anda a faculdade e me contar o quanto é difícil encarar a fase final de curso/vida adulta-profissional. Vai fazer piada com sua própria situação e vai me dizer, enterrando os olhos no chão, que quando for a minha vez, eu vou tirar de letra. Meio que se desculpando por ter largado minha mão quando eu mais precisava. Eu vou falar que você logo, logo vai encontrar o sucesso e, em ritmo de brincadeira, ser sincera contigo dizendo que quando ele entrar pela sua porta, você vai se esquecer de mim. Vou te contar dos rebolados que tenho dado para equilibrar o tempo e dar conta do monte de tarefas que tenho. Vou te falar da minha pesquisa e de como ela vai salvar o mundo.
Os assuntos vão terminar e para não perdermos a postura de pessoas bem resolvidas e desapegadas vamos propor uma cerveja e procurar o bar mais próximo. Ao sentar a mesa meu coração vai batucar e temer ser escutado, ao especular a possibilidade de o seu também balançar só um pouquinho por mim. Vou tremer as pernas para tentar mascarar o som do meu peito e, pela força de um hábito já perdido, você vai colocar a mão no meu joelho para que eu pare, questionando se eu ainda tenho todo aquele problema com ansiedade.
Eu vou tentar rir, dizendo bem caladinha, como ainda sou a mesma pessoa e o quanto eu sinto falta dos teus cuidados. Vou abrir a boca para te lembrar que nem faz tanto tempo assim, que eu ainda nem consegui colocar aquele livro que você leu para mim no lugar que ele ocupava na estante e que minha vida ainda está cheia de poesia tua. Mas aí vou lembrar que você vive minutos como eternidades e vou suspirar baixando a cabeça.
Você vai perguntar se tudo anda bem, se eu me interesso pelos teus conselhos e se você pode me oferecer ajuda. Vou querer correr pro teu colo conhecido e curar nos teus braços as feridas que você me causou. Mas vou só dizer que foi um dia corrido e te contar alguns problemas do trabalho. Você vai me dar conselhos experientes de quem pouco conhece o mundo; eu não vou contra argumentar e vou elogiar teu poder de resolver tudo aquilo que não nos diz respeito.
Já movidos por algum teor alcoólico vamos relembrar a nossa velha mania de devanear a respeito da vida e teorizar sobre aquilo que só se sente. Lá pelas tantas, em um momento de alto risco, vamos tocar em um passado comum, querendo fingir que não dividimos nada além de mesa de bar. Vamos tocar em coisas que se perderam e ainda se fazem presentes no nosso cotidiano. Vou querer te dizer da falta que você me faz, do quanto me controlo para não te procurar e de como a vida anda feia sem você. Vou ficar imaginando que você também quer me dizer algo do tipo, alimentando uma expectativa que me corrói. Vou querer te chamar para minha casa e de volta pra minha vida.
O silêncio constrangedor de segundos que aparenta te trazer um remorso inexistente vai fazer você olhar para o relógio. Mas antes que você se proponha a partir novamente e que me deixe outra vez na solidão da minha companhia, eu me adianto e digo que já está tarde. Você acena para o garçom, pede a conta e a saideira do nosso amor.