Vejo meus dias se acabarem pouco a pouco em minha monotonia, e para falar a verdade não tenho quase nada do que me reclamar. Tive uma boa vida, poucas vezes me faltou dinheiro, no final das contas arrumei um amor, amor de verdade, que me deu de presente duas lindas filhas. Ah, os filhos... Eles são um verdadeiro presente e um verdadeiro castigo também.
E sabe qual a maior ingratidão de um filho? Não é o fato de não cursar a faculdade que sonhamos, ou não casar com a pessoa que idealizamos ou ainda nos deixar morrer num asilo, a maior ingratidão que pode cometer um filho é não fazer jus a criação que receberam.
Sabe as minhas duas filhas de quem falei agora pouco? Elas são lindíssimas, muito parecidas, pena que só fisicamente. Dei todo o amor do mundo, aquilo que conheci como boa educação, mas não saíram como planejei. A Luciana sempre foi uma menina difícil, o gênio muito forte, puxou a mim, as emoções sempre a flor da pele, metida a revolucionária e eu jurava que não ia muito longe na vida; mas aí nasceram os gêmeos, e toda aqueles devaneios juvenis foram-se embora, é um menina boa hoje em dia. Já a Estela, essa sempre me deu orgulho, desde que nasceu tem essa carinha de anjo, é a personificação da doçura, menina boníssima. Melhor aluna da sala, seguiu a bendita profissão de engenheira que eu tanto queria e anda muito bem de vida. Se com ela está tudo perfeito? Na verdade não. Ela anda meio diferente da minha estrelinha (era assim que eu a chamava). Anda meio triste, sabe? Sempre com um péssimo humor e não me fala mais o que anda a aborrecendo, diz sempre que é coisa do trabalho; talvez seja mesmo, cálculos dão uma tremenda dor de cabeça e a vida da minha pequena virou uma função do segundo grau, sem delta real. Anda tão amarga, com um jeito de falar que nem parece de gente.
Ah, mais assim que eu chegar ao paraíso terei uma conversinha com Deus do céu e perguntarei porque diabos é que os filhos crescem. Ta aí o grande mal da vida e a única coisa da qual posso me reclamar.