sexta-feira, 30 de março de 2012

"De repente chorava. Já era amor." CL


Começo organizando as palavras na minha cabeça, como quem escreve um brilhante texto mentalmente. Depois, passo a selecionar as palavras certas, como quem revisa seu melhor trabalho. Para terminar de me convencer inicio um monologo: repito todas as palavras em voz alta. Ainda não me convenci. Repito outra, quase gritando. Ainda não me deixei seduzir por minhas próprias palavras. Então passo para a terceira, quarta, quinta vez. Pronto. Sinto-me tão convencida que me soam como pleonasmo. Mas não há motivo para recuar. Essas palavras tão ensaiadas imploram para se sujeitarem a sua interpretação, choram para abandonar a minha boca.
Paro a sua frente, te olho bem nos olhos. Meu coração aperta, sinto que o meu sentimento por você teima em crescer. Decido que dessa vez vou ter calma, não vou embaralhar as palavras, ensaiei muito. Você me toca a mão, me traz para junto do seu corpo e apoia seu queixo no meu ombro, deixando a barba mal feita roçar meu pescoço. Me bagunça os sentidos. Por um instante esqueço metade do que eu ia falar, temo não conseguir. Mas êpa, eu preciso falar. Mantenho-me próxima de ti por mais uns segundos, depois me afasto. Olho novamente nos seus olhos, para provocar aquela pergunta que você sempre me faz: ‘aconteceu alguma coisa? cê ta estranha’.
Não deixo seu olhar me escapar. Abro a boca. Não sai nada mais do que um: ‘é que...’. Você sorri discretamente com o canto da boca, mostrando que eu não sou a única a saber  que já me atrapalhei e que meu ensaio perfeito falhou, outra vez. As palavras se esconderam todas no momento em que você me tocou. Insiste em tomar conhecimento daquilo que já conhece. Eu ergo o queixo, empino o nariz e tento outra vez. Mas não adianta, só o meu olhar consegue falar. Você me toca o rosto suavemente e indaga se desisti. Procuro as benditas palavras dentro de mim, mas elas sofrem de bipolaridade e já mudaram de humor.
Seu olhar me desafia novamente. Sigo o instinto do meu palavreado e decido deixar para lá. Você pergunta outra vez, só para provocar. Mantenho a minha nova posição: ‘não é nada’. Outro riso no canto da boca. Você se aproxima mais e termina por calar tudo que eu tinha a dizer. Me faz sentir raiva de mim e de como seus erros acertam em cheio meu coração.