quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Das últimas chances


- Ei, a gente precisa conversar.
- (...)
- Eu tenho muita coisa para te dizer ainda.
- (...)
- Sério. Não me olha com essa cara cética.
- (...)
- Quero te pedir desculpas.
- (...)
- Perdão! Perdão?
- (...)
- Só mais uma chance!
- (...)
-Por favor...
- Já te dei milhões de "mais uma chance"!
- É a última.
- (...)
- Prometo que não vai se arrepender.
- É que eu jurei para mim que a próxima "última chance" seria minha...

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Inércia



Começou numa quinta feira à tarde. Descobri que tu ia ao parque todos os dias, sempre às dezessete horas e trinta minutos. Tirava o terno bem passado e se sentava em cima, olhando sempre pra o mesmo lugar. Olhando, olhando e olhando. Eu, de longe te observava. Todos os dias eu te admirava, tentando adivinhar o que se passava na tua mente, pedindo a Deus - ou a qualquer outra criatura que pudesse te colocar coisas na cabeça - que seu principal objeto de reflexão fosse eu. Imaginei tantas vezes que tu me pegaria te espiando, que me chamaria pra sentar do seu lado e me roubaria um beijo oferecido, como das outras vezes.
No entanto, nas poucas vezes em que fui flagrada, desconversei. Falei de coincidência, do acaso, enrolei. Enrolei a língua pra não gritar que te amo e fui embora - todas as vezes- com meu sentimento entalado. Prometia que da próxima vez eu ia chegar até o fim, ia gritar sussurrando pro seu coração que eu largaria tudo pra retomar o que achei ter começado. Mas sempre ficava pra próxima.
Até que em uma das próximas cheguei atrasada. Sentei no mesmo lugar de costumo e te olhei sem querer enxergar. Era uma menina. Uma moça que passaria a ser tua companhia das dezessete horas e trinta minutos e que se aninhava nos braços que eram meus, só meus. Tentei levantar, mas o sofrimento forçado e adiado me prendia as pernas; queria que eu fitasse a realidade. Impressiona dizer que não encarei? Depois que vocês foram embora permaneci sentada, não sei se por minutos ou pelo infinito. Prometi que não voltaria, mas cumprir promessas nunca foi meu forte.
Voltei. Voltei todos os outros dias. Até que, depois de muitas, te vi sem ela uma tarde. Meu coração resolveu reassumir a esperança que nunca abandonou. Te fitei, queria que tu flagrasse meu crime. Porque dessa vez eu não voltaria engasgada. Não sei se pelo acaso, que sempre me serviu de desculpas, ou por sintonia telepática, tu me flagrou. Consegui te encarar por alguns segundos, quando você me sorriu. Me sorriu da forma mais linda que alguém pode sorrir. E não esperei convite, caminhei determinada, achando que seguia a trilha do seu coração.
Como de praxe, tu iniciou um discurso sem pé nem cabeça que me fazia compreender o que eu acho ser amor. E divagou por horas sobre coisas das quais não consigo me lembrar, mas que encheram meu peito de coragem para te revelar o que eu chamava de “maior amor do mundo”. Respirei fundo, abri a boca – repetindo o gesto diversas vezes. Lá pela centésima octogésima nona tentativa, consegui pronunciar a primeira semivogal, que foi interrompida bruscamente por mãos que te taparam os olhos e palavras que te foram cochichadas.
Era ela. Mais bonita que minha vontade, sendo ladra do mínimo da atenção que eu queria para mim. Sem anestesia nenhuma tu me apresentou a ela, intitulando-a de “a mulher da sua vida”. Tive vontade de te relembrar birra e de te falar que, apesar de você não saber e da aversão que eu tenho aos rótulos, esse título era meu. Há muito tempo. Fiquei com vontade de bater, espernear, chorar e te roubar definitivamente para mim. Mas como de costume, enrolei, calei e fui embora para o que as pessoas chamam de futuro. No entanto, permaneci descumprindo promessas – inclusive a de te esquecer. 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

E lá vem ela


Ouvidos sempre atentos para compensar a pouca visão, dedo indicador sempre a posto, ao nível da cabeça. Vez em quando, pernas balançando e sempre com a cabeça fervilhando de ideias. Meus dias, há muito, resumem-se na profana utopia de mudar o mundo; e devido a isso, tornei-me tagarela de marca maior e chata de carteirinha. 
Olhos revirados e risinhos de canto de boca demonstram sempre o amor dos colegas: “lá vem ela”.  Fazendo-me, ao final de cada dia, refletir sobre uma possível boca fechada, mas resultando em todas as minhas preces implorando para que o silêncio nunca me domine.
Passei de “garota de personalidade forte e opinião polêmica” para “moça metida e inconveniente”. Se assim o sou, aceito de bom grado. Estereótipos não combinam com minha indumentária, se “ser do contra” for ser sempre contra aquilo que está enguiçado, é essa a capa que visto.  
E no devaneio de que com conselhos comodistas irão aquietar minha língua e coração, aconselham-me todos os dias: “ignore. Ignorar é o santo remédio. Pra conversa besta a gente não dá atenção”. No entanto, insistindo na rotina de contrariar aquilo que se perpetua, não acredito que em boca fechada não entra mosquito; para mim em boca fechada entra barata, rato e todas essas coisas das quais se tem nojo, deixando a gente podre por dentro. Para mim, calar não é consentir, é bem mais: é omitir. É mais do que dizer: “eu concordo com você”, é afirmar: “eu apoio você”. Tenho a omissão como algo tão grave que me conduziria a um coma, a uma meia vida. Não me calo nem dormindo, que dirá incomodada! 

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Síndrome de Gabriela OU dos genes



“Eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo assim. Vou ser sempre assim: Gabriela”.
Como se nome e música tivessem se combinado propositalmente em meu ser, eu não tenho medo de falar: quanto mais eu mudo, mais me torno a mesma pessoa. Por mais bem elaborado que seja o movimento de rotação, e de mudanças mirabolantes e maravilhosas que ele provoque, acabo sempre tonta de tanta mesmice minha. Não consigo dançar no mesmo ritmo da Terra e acabo pisando no pé da parceira, nos primeiros momentos da valsa, todas as vezes. Quando acaba o giro, me encontro sempre no mesmo ponto, permanecendo nos mesmos erros.
Talvez pudesse dizer que a teimosia foi herdada, que não furtei, foi presente de pai e mãe. Será por isso tão exacerbada, meu Deus? De tanto teimar em ser eu mesma, iludida com a mentira de que as novas oportunidades de quebrar a cara – geradas sempre pelo mesmo motivo – me levarão a um projeto mais calmo e menos impulsivo de mim mesma, mantenho por cinco minutos e trinta segundos, a certeza de que não irei me importar mais e de que vou me manter calada.
Só que não sei porque diabos, algo forte se remexe dentro de mim, me fazendo em um terço do tempo previsto expulsar as rebeldes palavras, proferindo minha opinião gratuitamente. Defendendo com unhas e dentes o lado da verdade que me pareça menos hipócrita. Merecendo ouvir, principalmente de mim mesma, um: “quem te perguntou, Gabriela?”.
Não sei de onde tirei essa ideia maluca de que as coisas mudam. Quem sabe, seja tudo genético: um pai sem juízo, que alimenta sonhos utópicos de mudança e uma mãe doida que afirma que para reconstruir, só basta agir. Por culpa desse sangue forte, a quase que expressão verbal ficar na minha não se aquieta no meu vocabulário nem por meio minuto. Ganhando sempre o Óscar de melhor chata do ano.
Reafirmo, não tenho culpa. Provocado pelos benditos genes ou não, isso é mais forte do que eu. Palavras e a força que elas têm, representam mais pra mim do que a omissão nossa de cada dia. Impossível não terminar esse monólogo – sem pé e nem cabeça – continuando a ser repetitiva “EU NASCI ASSIM, EU CRESCI ASSIM E SOU MESMO ASSIM. VOU SER SEMPRE ASSIM: GABRIELA. SEMPRE GABRIELA”. Porque para birrento, insistir é mero pleonasmo de si mesmo.