quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Inércia



Começou numa quinta feira à tarde. Descobri que tu ia ao parque todos os dias, sempre às dezessete horas e trinta minutos. Tirava o terno bem passado e se sentava em cima, olhando sempre pra o mesmo lugar. Olhando, olhando e olhando. Eu, de longe te observava. Todos os dias eu te admirava, tentando adivinhar o que se passava na tua mente, pedindo a Deus - ou a qualquer outra criatura que pudesse te colocar coisas na cabeça - que seu principal objeto de reflexão fosse eu. Imaginei tantas vezes que tu me pegaria te espiando, que me chamaria pra sentar do seu lado e me roubaria um beijo oferecido, como das outras vezes.
No entanto, nas poucas vezes em que fui flagrada, desconversei. Falei de coincidência, do acaso, enrolei. Enrolei a língua pra não gritar que te amo e fui embora - todas as vezes- com meu sentimento entalado. Prometia que da próxima vez eu ia chegar até o fim, ia gritar sussurrando pro seu coração que eu largaria tudo pra retomar o que achei ter começado. Mas sempre ficava pra próxima.
Até que em uma das próximas cheguei atrasada. Sentei no mesmo lugar de costumo e te olhei sem querer enxergar. Era uma menina. Uma moça que passaria a ser tua companhia das dezessete horas e trinta minutos e que se aninhava nos braços que eram meus, só meus. Tentei levantar, mas o sofrimento forçado e adiado me prendia as pernas; queria que eu fitasse a realidade. Impressiona dizer que não encarei? Depois que vocês foram embora permaneci sentada, não sei se por minutos ou pelo infinito. Prometi que não voltaria, mas cumprir promessas nunca foi meu forte.
Voltei. Voltei todos os outros dias. Até que, depois de muitas, te vi sem ela uma tarde. Meu coração resolveu reassumir a esperança que nunca abandonou. Te fitei, queria que tu flagrasse meu crime. Porque dessa vez eu não voltaria engasgada. Não sei se pelo acaso, que sempre me serviu de desculpas, ou por sintonia telepática, tu me flagrou. Consegui te encarar por alguns segundos, quando você me sorriu. Me sorriu da forma mais linda que alguém pode sorrir. E não esperei convite, caminhei determinada, achando que seguia a trilha do seu coração.
Como de praxe, tu iniciou um discurso sem pé nem cabeça que me fazia compreender o que eu acho ser amor. E divagou por horas sobre coisas das quais não consigo me lembrar, mas que encheram meu peito de coragem para te revelar o que eu chamava de “maior amor do mundo”. Respirei fundo, abri a boca – repetindo o gesto diversas vezes. Lá pela centésima octogésima nona tentativa, consegui pronunciar a primeira semivogal, que foi interrompida bruscamente por mãos que te taparam os olhos e palavras que te foram cochichadas.
Era ela. Mais bonita que minha vontade, sendo ladra do mínimo da atenção que eu queria para mim. Sem anestesia nenhuma tu me apresentou a ela, intitulando-a de “a mulher da sua vida”. Tive vontade de te relembrar birra e de te falar que, apesar de você não saber e da aversão que eu tenho aos rótulos, esse título era meu. Há muito tempo. Fiquei com vontade de bater, espernear, chorar e te roubar definitivamente para mim. Mas como de costume, enrolei, calei e fui embora para o que as pessoas chamam de futuro. No entanto, permaneci descumprindo promessas – inclusive a de te esquecer.