segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Senhor de mim

Caro Senhor de minha vida e de meus sentimentos, venho eu aqui – serva dedicada – pedir-te que me deixes ir embora. Não, por favor, não faça esta cara e não traga lágrimas amargas a tua face tão bonita e cansada, deixe teus belos sem forçado sentimento, eu preciso ir-me embora.

Pare, pare. Eu já ouvi isso antes, a melodia de tuas palavras cheira-me a promessas não cumpridas, falsas. Não queria fazer isso, meu Senhor, mas não enxergo outras saídas, tenho que ser severa e submeter-me a um possível castigo; eu vou agora fazer uso da sinceridade que te poupei durante estes anos de serviço. Preciso dizer o quanto és cruel e pedir-te que finde esta doce crueldade. Não me questione agora, pelo amor de Deus, meu Senhor, escute-me, uma única vez nesta vida, escute-me.

Tu tens de reconhecer, amado Senhor, que desde que nasci servi a ti como todo o amor e a dedicação que pude conhecer nesse mundo; não nego que todo este trabalho (sofrido vez por outra) foi voluntário, espontâneo, cheio de sentimento. Sabemos que cresceu junto de mim uma admiração por ti, eu sei que tu sabes caro Senhor, que eu me esforcei para agradar-te sempre, que todas as vezes que te desagradei fui castigada duplamente: por ti e por mim. Tens ideia do quanto me doía ser alvo de teu desprezo merecido, meu Senhor, tens ideia?

Acho que não! Tenho certeza que teus olhos cristalinos e teu coração, que outrora pareceu-me puro, enxergam tudo o que se passou. Mas tu, meu Senhor, fingiu nada enxergar, deixou que tua pobre serva fosse alvo da ira alheia, permitiu que machucassem, ferissem e furtassem de mim, tua mais dedicada serva, o amor e a pureza; não fizesse-te esforço algum para salva-lá do abismo do desamor, não tens piedade, tampouco coração.

Não, não, meu senhor, eu imploro, não me olhe com esses olhos de quem compreende, de quem tem piedade e aprendeu a se arrepender. Por tudo que é mais sagrado não me dirija este olhar que eu já conheço, sei que isso passa. Ah, meu senhor, recorda-te de quando usaste e abusaste de mim? De quando acreditei em tuas palavras de misericórdia e não tive dúvida alguma em continuar a devotar-te minha vida? Te esqueces, meu senhor?

Oh, shii, não me olhes assim, não. Já provaste que de nada valho, que sabes muito bem viver sem a minha pessoa, que sem mim podes seguir em frente. Não te aflinjas, já foram embora os tempos difíceis, agora, terá muito mais gente a te agradar, não faltará quem te queira bem. Eu preciso ir embora, meu Senhor, preciso achar uma fonte qualquer de rejuvenescimento do amor, recompor as minhas forças, melhorar a minha munição; que se um dia, esses teus dias doces se acabarem eu estarei aqui, de volta, para servi-te, como sempre,

Tua Serva.

domingo, 28 de novembro de 2010

PPT

A princípio éramos como cargas negativas: repelíamos-nos. Mas o tempo, como sempre, tem de passar e aprontar das suas presepadas irônicas, juntando a nós três, por tanto. Primeiro, fomos duas, depois três. Lembro exatamente do dia que vi cada uma de vocês, senti daquelas raivas sem sentido que sentimos de uma garota nova; só depois entendendo que me senti ameaçada, talvez, eu tenha percebido de imediato quanto brilho trazem vocês.

Por pouca coisa e muita afinidade nos unimos. Nem me lembro direito como isso começo, alguma coisa como festas e amores frustrados, talvez; foi coisa de pouco tempo para que descobríssemos que, na verdade, éramos cargas opostas: negativas e positivas, e que juntando o nosso melhor com nosso pior nos atraíamos.

A vida parece tão doce no início de uma amizade, não? Aliais, de qualquer relação. Jura para gente de pé junto que é para acreditar com toda fé, que vai dar certo, que o tal do para - sempre não é lenda: é sorte, e que fomos escolhidas. Se a danada dessa vida falou a verdade eu não sei, mas que a sorte me encontrou pegada a mão de vocês, ela me encontrou.

Sendo gentil, a vida, nos aproximou demais, separadas não éramos três, e sim 1/3 de um inteiro. Sabíamos mais da vida e dos sentimentos das outras do que nossos próprios; fomos fortes para sustentar dois problemas a mais, generosas para dar dois sorrisos a mais e bem inteligentes por termos de abrir mais dois espaços em nossos corações.

Mas acontece que esta moça gentil é casada com uma tal de distância, e ela, minhas queridas, não tem senso de humor e tem uma alergia danada a alegria alheia. Enxergam o que ela fez? Chegou no momento mais difícil que tivemos e puft, separou-nos. E querendo pousar de boa menina, essa maldita, deixou com que ficássemos duas a duas; apresentou-nos más companhias: a frieza, a mágoa, os ciúmes e a tristeza. Como não percebemos que tais amigos, eram amigos mesmo da onça, como não percebemos?

Fomos fracas, caras amigas, fraquíssimas deixando com que essa distância infeliz conseguisse fazer por verdade suas intrigas; falhamos (isso é verdade), mas é importante que enfatizemos a primeira pessoa do plural e nos esqueçamos da primeira e segunda do singular. Porque apesar dos conselhos dessa miserável distância, o para sempre (o nosso para sempre), ainda existe.

É essencial, irmãs queridas, que não façamos uso do sinal negativo, que optemos, de qualquer forma, pela adição (nada de uma a uma ou duas a duas); que nós estiquemos os braços e agarremos as mãos, porque no fim do nosso conto de fadas moderno ainda seremos, separadas, terço de um todo; e juntas – um inteiro de um todo. Não usemos de maneira alguma a palavra “fim”, evitemos a “saudades” e nos agarremos a “amizade”. Porque ao final de nossa comédia romântica, os príncipes vão-se embora e só ficam os nossos sonhos, aqueles – os mais bonitos.

sábado, 27 de novembro de 2010

Meia bagagem

Resolvi esvaziar a mochila. Me livrar de tudo que é ruim, que não presta, das coisas podres que carrego e me reabastecer.

Decidi começar bem por cima: arrancar do peito todas as facas que cutucam feridas antigas, jogar fora todos os curativos e deixar que cicatrizem por si só; determinei que tudo o que eu não uso mais será jogado fora e que não entrará mais nenhum supérfulo para acrescentar ainda mais peso as minhas cansadas costas; tudo o que eu levar de agora em diante será o necessário.

Por isso, deixo apenas alguns princípios (os ultrapassados, que não concordo mais,jogo fora); desmancharei as superstições e manterei os ritos, aprendi que eles fazem bem; vou me livrar das pessoas que não me servem, não as que machucaram, mas as frias, indiferentes, aquelas vazias. Vou jogar ao vento as palavras duras e manter presas as mais doces; elas, quando relembradas, tem um sabor especial. Também não quero mais o excesso de seriedade, aprendi que não é lá muito bom se levar tão a sério, vez por outra, é exigido um sorriso e alguma flexibilidade. A razão - ando doando mais da metade: ser louco é vital. Ah, irei me desfazer do excesso de trabalho, minha família cuida bem melhor de mim; o orgulho também está indo para o saco de lixo, ele se junta com o rancor e cria a maior barreira do mundo para que o amor não pule e acho que quero mais um pouco de fé: fé em Deus, fé no que é doce, fé em mim mesma, quero sim mais fé.

E até quando eu não conseguir me desfazer de tudo isso, sem prejudicar a sustentabilidade de coração nenhum, eu ficarei parada. Porque só quando perceber que tenho quase peso nenhum em meu dorso é que prosseguirei; quando notar que minha mochila tem um espaço vazio e grande para coisas novas e, principalmente, boas é que eu darei partida. Esperando e torcendo que você, andarilho, que passe por mim não tropece aos meus pés, ou não transfira coisa ruim e que se assim o fizer, que eu saiba me livrar de mais bagagem ruim. Tenha certeza, meu caro amigo, só prossigo com meia bagagem pronta.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Regresso necessário

Coração,

Senta aqui. Acalme-te, pare de pular só um pouquinho, não é brincadeira, é sério; doído, sofrido, amargo, gelado, feio. Não faça esse bico de choro, não vou jogar toda a culpa em suas costas cansadas, não quero lhe cobrar nada e nem pedir que se sacrifique. Porém venho sim, mais uma vez, dar-te um conselho; calme, calme, não vou te exigir nada, mas precisamos conversar. Sei que eu mesma já vim várias vezes cobrar-te mais razão, maior bom-senso e mais um bocado dessas outras coisas frias, só que agora, coração, eu venho pedir-te, não, não, implorar-te para que pare!

Ah, querido, as coisas não são assim – como eu achei. Eu sei, eu sei, fui eu quem pediu, mas me escute: lembra-te como eu era, coração? Lembras? Eu era assim como tu: doce, leve, ingênua, eu acreditava tanto nas pessoas, acreditava mesmo; só que aí coração, não sei o que aconteceu comigo, fui tomada pela razão, possuída por uma frieza desconhecida. E olhe, eu juro, odeio jurar, mas juro sim que eu tentei resistir, fiz de tudo, mas não teve jeito, ela me dominou. E então, coração, eu falei todas aquelas coisas horríveis para ti, cobrei-te o que tu não podias dar e que, no fundo, nem eu mesma queria que fizesses; mas tu sabes, eu me arrependi, arrependi muito, porque eu gosto de ti. E é por gostar de ti e ter aprendido a gostar de mim também que eu estou aqui, amigo, quero teu bem, nosso bem.

Preste atenção, não se distraia, concentre-se bem no que vou lhe falar agora: eu bem acho que o rancor é coisa da razão, contudo, percebi que tu o adotaste; fez dele sua filosofia de vida e acabou te machucando demais. E o que há contigo? Está dormente? Não sente mais nada? Não percebe que está ferido por demais, que precisa estancar este sangue, pois está perdendo pouco a pouco os sentidos sentimentos? Ah, meu pequeno coração, não faça assim. Shi, shi, sem choro, não precisa disso, não são acusações. Eu entendo, eu entendo, eles te machucaram demais, fizeram de ti tudo o que desejaram e tu por um bom tempo fez de conta que não viu; eu entendo e lhe dou a razão, mas veja quem mais está sofrendo com isso? Hum? E então? Poxa vida, tu está te corroendo, te destruindo pouco a pouco.

Vamos fazer um acordo? Se tu conseguir abandonar esse vício, se tu aprender a perdoar e mandar esse rancor covarde embora eu volto a acreditar cegamente em ti, prometo. Eu te escuto, não te questiono, não faço mais observações banhadas de razão e pessimismo; passo a acreditar no amor, me arrumo para esperar novamente um príncipe encantado. Se tu trocá-lo, coração, eu volto a ser impulsiva, eu paro de pensar demais, faço todas as tuas vontades, me entrego a ti. Não me julgue mal, querido, por tudo nessa vida pagamos um preço, e o do rancor está alto demais para mim.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Quase me esqueci

Ai, ai, saudades por que resolveste me visitar justo agora, se não telefonei para vir me ver? Não te mandei recado algum e nem deixei a sintonia telepática ligada. Ah, já sei, foi você quem mandou essa danada vir me cutucar, não foi? Sei que sim, agora nesse minuto você deve está rindo com o canto da boca e esses teus lindos olhos verdes. Você deve estar imaginando e se divertindo com meu pé dançando em ritmo de birra; deve estar adorando me olhar, em seu pensamento, fazer birra e encher o olho d’água, graças a uma TPM e uma dose a mais de sensibilidade. E conte aqui para mim: você se lembra do modo como me abraçava para confortar-me? Lembra? Eu tive um lapso de memória e quase me esqueci, mas agora, a saudade me recordou. Ela me lembrou o quanto era bom quando eu acordava de manhã cedinho e você estava ali, sentado ao chão me olhando, só olhando e alegava que eu ficava linda dormindo, me lembro bem, você dizia que eu parecia um anjo, que eu perdia a pose de poderosa. Lembrei também o quanto eu adorava o café da manhã forçado que você me fazia tomar, dizia que eu comia de menos e que homem odiava mulher magra demais. Não me esqueço também, do quanto era adorável o modo como você chegava de surpresa, me abraçando por trás com um beijo na nuca e fazendo com que eu me arrepiasse dos pés à cabeça, você sempre soube me arrepiar. E quando você insistia em saber o que eu estava pensando e me deixava vermelhar de vergonha por me olhar intensamente? Ai... Será que você fazia ideia do quanto me fazia feliz quando observa coisas sobre mim que só descobri depois e através de você? Ou quando me fazia revelar todos os meus sentimentos e pensamentos, ou então quando me dizia o quanto eu era madura e que eu tinha de me levar menos a sério, que adorava as minhas pernas e que amava me ver rindo de cócegas? Senti uma falta enorme de quando eu sentia frio e você me dava sua blusa de manga comprida, sempre a mesma; de me sentir confortada e protegida pelos teus braços sempre em volta da minha cintura; de te negar um beijo só para provocar. Faltam-me as nossas conversas na praia, o tom de realidade que tinham nossas discussões, sem perder o carinho e o amor. Eu queria muito ouvir de novo, da tua boca, que alguém me deseja a maior felicidade do mundo, que o eu teria o que quisesse, só por ser especial, sinto falta de alguém que me valorize, sem supervalorizar. Sabe, eu acho, não, não, eu tenho certeza de que você garantiu dois lugares em meu coração: um bonito por demais, é alegre, meio nostálgico, mas muito bonito – são as lembranças dos momentos em que estivemos juntos; e o outro já não é tão bonito assim: é um poço, aham, você conseguiu cavar um poço enorme, profundo, escuro, frio e feio no meu peito – a distância colaborou, e muito, entregou a par em suas mãos e te deu força para cavar, decepcionar, cavar, decepcionar e cavar mais fundo ainda. E esse poço cheio de poços e água podre quase me deixou esquecer tudo, chegou muito perto de superar o que houve de doce e bonito, mas a saudades, desgraçada saudade, fez com que eu lembrasse: beijo por beijo, mão por mão, conversa por conversa, olhar por olhar e dor por dor. Eu quase, quase mesmo consegui te jogar dentro de um desses buracos salobros de solidão, mas aí a saudades entrou porta a dentro cantando ‘pele macia, ai carne de caju...’; uma pontada e ‘linda morena, fruta de vez, temporana, caldo de cana caiana’, uma lágrima e ‘morena tropicana eu quero teu sabor....’. O que eu posso fazer? Eu cheguei bem perto, quase, tão quase que chega a me assustar.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Nos reencontros da vida - Guerra de sedução


“Ela nem acreditou, seu coração dançava em um Tum-tum desesperado, teria mais alguns dias para tentar conquistar outra seu primo. Ela conseguiria, conseguiria sim.”
Helena acordou enjoada, era só pensar em pensar em viajar que se sentia enjoada. Droga, já ouvia sua mãe falando em sair rumo à praia e ela ainda estava daquele jeito, nem a mala tinha arrumado. Rapidamente, jogou alguns biquínis e vestidos dentro de uma mochila, não precisaria mais do que isso e um pouco de charme para reconquistar o primo. Jogou a mala e foi na direção do seu desejo.
Quando desceu do carro os olhos discretos da menina logo procuraram Marcos, mas mais uma vez ele não estava ali. Sentiu vontade de procurar debaixo de cada grão de areia, de gritar-lhe e pedir que ele viesse, mas resolveu por esfriar as idéias no mar. Mergulhou naquela água morna e verde, queria que levasse embora toda aquela confusão e todo aquele início de amor. Ah, ela sabia, que ia acabar gostando dele. Burra, burra, era o que repetia para si o tempo inteiro.
Depois do banho salgado voltou para casa em passos lentos, talvez assim ele chegasse mais depressa. Estava começando a irritar-se: queria que ele estivesse ali, trazia consigo aquela cara de raiva que seu pai dizia ser a mais linda de todas as caras de zanga, já tinha dado a tarde por perdida, até que surpreendeu-se:
-Boa tarde- era Marcos.
-B...boa.
O sol se punha atrás deles, Helena mergulhou naqueles olhos verdes como tinha mergulhado a pouco no verde do mar; mas ela queria ir mais fundo, queria chegar até aquele coração distante. Ele levantou-se desconcertando-a:
-A água do mar ta boa?
-Hã? Ah, ta sim, ta sim...
-Pois eu vou lá dar o último mergulho do ano.
A menina correu para o banheiro no intuito de abafar o barulho que fazia seu pequeno coração. Ligou o chuveiro o máximo que pôde para deixar a água levasse de vez por todas aquele inicio de amor e o trouxesse para suas mãos; ficou por um bom tempo debaixo d’água fazendo uma prece baixinha: ‘dá ele para mim, dá, dá...’. Pedia para Deus, para Iemanjá, para todos os santos, para quem quer que fosse ela pedia para acabar com aquela contradição, para acabar com a guerra que a razão e o coração tinham iniciado, pedia para parar de doer antes de começar, para parar de querer, para parar de qualquer coisa, só queria que parasse.
Vestiu-se lentamente, como se precisasse ganhar tempo para alguma coisa, como se tivesse alguma estratégia minuciosamente bolada, o coração pulava e se comprimia pedindo socorro e quase fugindo pela boca, era aquele pressentimento ruim de novo. Deus, por que com ela? Precisava de um pouco de ar fresco, de algo que lhe devolvesse o ar. Correu em passos lerdos para a varanda, todos deviam estar tomando banho ou em algum outro lugar, não escutava barulho. Porém outra vez ela tinha de se enganar, não estava só: ele estava ali, sentado com cartas na mão, as embaralhava com um sorriso na cara:
-Senta, prima. - Helena só conseguia obedecer- Sabe jogar alguma coisa?
-Ah, mais ou menos.
- Poker?
-Não, não faço ideia de como se joga.
-Hum, pois deixa que eu te ensino.
Rapidamente as mãos embaralharam as cartas, ao mesmo tempo Marcos explicava-lhe como funcionava o jogo. Ele tinha, literalmente, todas as cartas nas mãos e ganhava partida atrás de partida. O tempo correu, e Helena nem percebeu: estava muito ocupada tendo de fingir empenho e concentração para ganhar, quando na verdade só conseguia se concentrar nos pés que tocavam os seus por debaixo da mesa, vez ou outra, sem querer. Já era quase meia-noite, já se podia sentir cheiro de ano-novo.
- Vou por uma camisa- disse ele de repente jogando as cartas em cima da mesa, deixando com que a prima visse seu jogo.
Helena continuou ali: sentada, sozinha. Tinha seu pensamento tão longe e tão perto - havia visto todo o jogo de Marcos, não tinha trapaceado; seria bem mais fácil, mas queria tê-lo, não só mais uma vez, queria para sempre. Sentiu algo estranho, um frio na espinha, rapidamente retornou ao mundo real e ele estava ali, olhando para ela:
-Você ta linda, Helena. Muito mesmo.
Foi então que os fogos explodiram melancolicamente no céu anunciando o ano-novo. Ele a abraço-a: -Feliz ano novo!
-Feliz ano novo!
Abraçaram-se fortemente, ela pedindo para que aqueles novos tempos que chegavam fossem mais doces e ele, quem sabe, pedindo ardentemente para resisitir.


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Falta de cultura ABSOLUTA

Sou eu uma amante e defensora, declarada, da música nacional. Sou louca por Chico, venero Geraldo, fico louca com Fagner e deliro com Zé Ramalho. Mas além de valorizar o que é do meu país gosto de dar valor ao que é do meu estado. Intitulo-me também como Piauiense, Orgulhosa Piauiense. E foi por sentir-me ofendia que venho eu aqui falar. 
 Não, não foi mais nenhuma piadinha sobre o calor da minha capital, ninguém veio me perguntar se aqui é mesmo o estágio para o inferno. Só que mais uma vez, ao conhecer uma pessoa nova de outra região do país, perguntaram-me: ‘Ah, você é do Piauí. Terra da Stephany- absoluta, não é?’. De fato ela é piauiense, mas ofende-me ao estremo que alguém tome como referencia de meu estado tal pessoa, mais que isso, na verdade deixa-me indignada. Impressiona-me e me enoja o quanto o brasileiro vem gostando de barulho (porque música ela não faz não).
 É revoltante, não só no Piauí, temos exemplos assim que destroem a imagem do forró (Luis Gonzaga deve se remexer no tumulo todos os dias). E pior ainda, que recebem mais atenção da mídia do que quem rala para crescer e que faz música boa. Aqui temos muita gente que faz música boa. Vou tomar como exemplo a minha banda regional favorita: validuaté. Eles fazem letras, suas músicas além de uma ótima melodia são bem trabalhadas, fazem música boa de verdade; mas quem é mais conhecido no Piauí e no Brasil? A que se intitula linda e absoluta. 
 Para que entendam como é ridícula a situação que falo, vou mostrar-lhes um vídeo em que validuaté canta e outro em que a Stephany canta, e aí, digam para mim, quem deveria fazer mais sucesso?
Ê, Brasil....

Stephany:Absoluta

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Bonitinha mas ordinária

Otto Lara Resende, ou, Bonitinha mas Ordinária/ Nelson Rodrigues. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004

Otto Lara Resende ou Bonitinha Mas Ordinária é uma peça escrita por Nelson Rodrigues, que trás em si toda a ironia e a crítica característica do autor. A estória conta o dilema do mineiro Edgard que está dividido entre o dinheiro e o amor. Rapaz de origem humilde, contínuo na firma do milionário Wenerck, é procurado por Peixoto, genro do patrão, que lhe faz uma proposta para casar-se com Maria Cecília, filha de Wenerck. O moço tem suas dúvidas, pois sente algo especial por sua vizinha, Ritinha, que lhe revela seu maior segredo em um cemitério, quando vão despedir-se. Obra envolvente, cheia de revelações que mostra uma sociedade hipócrita e preconceituosa, despertando no leitor uma curiosidade para desvendar a escolha de Edgar e fazendo com que este reflita sobre alguns valores. Vale à pena conferir.

domingo, 14 de novembro de 2010

Minha meia hora e nada mais

Cinco e meia da manhã, o celular toca. Ainda restavam míseros trinta minutos de sono, não era o despertador: era você. Resolveu dar sinal de vida com uma mensagem bonitinha de namorado apaixonado: ‘meu amor, bom dia. acordei e já lembrei de você”. Fiquei surpresa, extremamente surpresa. Passei dias, meses, esperando por uma mensagem menor que essa; passei horas olhando para o visor do telefone e esperando que você ligasse, acelerando o coração com mensagem da operadora. Foram dias e dias esperando que você me ligasse ou atendesse na hora marcada, cruzando os dedos e pulando de alegria quando acontecia. Quando li suas frases piegas só consegui sentir raiva e mencionar alguns palavrões por você ter me roubado minha preciosa meia hora de sono. Eu devia me sentir como aquelas garotinhas que quando são olhadas por acaso por algum garoto pensam: ele me ama; eu devia esboçar um sorriso e responder-te com algumas outras palavras carinhosas, devia ter o bom-humor garantido pelo resto do dia, mas nada foi assim, senti-me extremamente irritada. Fechei novamente os olhos e esperei que me acabassem os últimos vinte minutos. O despertador tocou. Levantei-me, atordoada ainda, irritada, sempre fico irritada quando alguém interrompe meu sono. Fui para frente do espelho e comecei a escovar os dentes enquanto pensava: mas eu devia estar feliz, eu devia; depois para debaixo o chuveiro e enquanto a água tentava, em vão, esfriar-me as idéias eu continuava a pensar que devia estar contente, mas não, eu não estava. Bebi o café mais doce que o normal para ver se me adoçava o dia, mas mesmo assim, eu não me contentei. Cheguei à escola adiantada, não devia estar irritada, odeio me atrasar. Não consegui responder calorosamente, como de costume, aos bons-dias, eu estava irritada; no instante da chamada, quando o professor chamou-me: -Gabriela -Estou escondida em um buraco, tentando recuperar a meia hora de sono que me roubaram- assim eu queria ter respondido. Pensei, pensei muito: mas por que irritada dessa forma, Gabriela? Por meia hora de sono? Mas meia hora de sono é muito! Busquei resposta, chutei TPM, mas ela me deixou semana passada. Vasculhei toda a minha cabeça e ainda assim não consegui achar o ‘porquê’ de tamanha irritação; até que resolvi obedecer a mamãe e procurar direito: dirigi-me ao coração. Nele chegando não me demorei a achar os motivos: todos você. Descobri que me irrita profundamente essa tua mania de me deixar brigando sozinha, que não suporto as tuas indiretas e a tua arte de fugir do assunto; percebi que me deixa louca de raiva aceitar as desculpas mal-elaboradas com que você me presenteia; que é insuportável esse teu amor fingido, essa tua mascara de bom garoto e, além do mais, você nem gosta de crianças. Ah, isso me deixaria triste, mas agora, me irrita. Quer saber? Não sou sua namorada e não pretendo deixar esse pedido mais pendente: melhor é recusar. Você me consome demais, me cansa demais, gasta tempo demais, me rouba demais e me irrita demais. Não quero mensagens, nem ligações; não precisa me devolver todo o carinho, amor, fé, confiança, segurança e tudo mais que eu depositei em ti. Pode ficar com tudo, só devolva minha meia hora.


Veja- Elba Ramalho

Veja você, arco-íris já mudou de cor
E uma rosa nunca mais desabrochou
E eu não quero ver você
Com esse gosto de sabão na boca
Veja meu bem, gasolina vai subir de preço
Eu não quero nunca mais seu endereço
Ou é o começo do fim ou é o fim...
Eu vou partir
Pra cidade garantida, proibida
Arranjar meio de vida, Margarida
Pra você gostar de mim
Essas feridas da vida, Margarida
Essas feridas da vida, amarga vida
Pra você gostar de mim




sábado, 13 de novembro de 2010

Quase curado, quase amado

Opa, opa, pode tirar sua mão daí. Deixe aonde você achou esse meu coração ferido. Não me venha com esta conversa de que quer tratá-lo, sei que não é este seu interesse. Você quer uma nova experiência, um novo afazer e implicou com meu coração, justo com meu coração ferido.

Não adianta, não há negociação a se fazer, estou decidida: não te empresto e, muito menos, te dou. Ele passou pelos cuidados de várias pessoas e a cada novo procedimento saiu mais debilitado.

Não aceito remédios tradicionais: analgésicos para fingir que a dor passou, não adiantam mais, me doem mais ainda; antibióticos também já não fazem efeito - as bactérias do amor já estão resistentes o bastante e aumentar a dose será indiferente. Também não me ofereça procedimentos alternativos, acumpultura: nem pensar! Já existem poços demais nesse músculo inquieto. Não ouse tentar corrompe-lo, foi ele quem me avisou do perigo que corria em tuas mãos, foi ele quem implorou para que eu não o entregasse a ti, confessou-me que anda cansado, indisposto, com artrite, artrose, osteoporose e todas essas doenças que deixam os ossos fracos; pediu-me, implorou-me que o poupasse de mais este esforço. Então, meu caro, não se iluda você não vai conseguir suborná-lo, ele está vacinado e o antídoto usado para tal vacina foi extraído justo do seu veneno.

Desista, meu querido, eu e meu coração estamos voltando para o bom caminho, arrumamos as malas e colocamos no bolso somente o que nos interessa, e você, (in)felizmente não está no meio dessas boas coisas. Estamos andando bem, certo, por tanto, não tente atrapalhar-nos; não ouse sabotar nosso planos infalível, não pense em conseguir pôr por terra nossa muralha que está sendo construída, seremos fortes, estaremos (dês)protegidas e você não vai atingir-nos, não desta vez, não mais uma vez.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Você quem disse

Quando você apareceu na minha vida meu coração apunhalado gritou: era o que faltava. Eu estava caída, acabada, brigada com a auto-estima e me estranhado com o amor-próprio, e aí então chegou você, prezado cavalheiro, estendeu-me a mão e levantou-me delicadamente. Fez questão de enfatizar o quanto me achou bonita, o quanto você havia gostado desse meu jeito menina-moleca, como havia se encantado pelo modo como defendo minhas opiniões; disse-me que eu não tinha ideia do quanto fazia bem a minha companhia, que eu era muito para todo mundo, inclusive para você. Ah, meu caro, foi tão estranho e tão saboroso provar pela primeira vez esta sensação de sentir-se amada, venerada, deseja, necessária, única. Era embriagante ouvir ao pé do ouvido tuas palavras de adoração, mas tudo isto, amorzinho, foi como um xarope de morango: extremamente doce no início, mas enjoativo, até amargo ao final e que quando cura você não quer mais nem sentir o cheiro. Sabe por quê? Porque não gosto de mesmice, não gosto de gente que faz pouco de si, detesto quem põe alguém acima de seus valores, odeio gente melosa e repetitiva e tenho horror a quem já se considera doutor de minha pessoa, não se iluda, ainda há muito a aprender. Você de tanto falar que eu era demais, de tanto enfatizar o quanto eu era maravilhosa (descubra agora que não sou), começou a falar de si mesmo, a contar-me um por um seus defeitos e seus erros passados que eu abusei, enojei. Você está jogando errado, meu bem, não é assim que se faz. Ninguém deve mostrar tudo de uma vez, bom ou ruim, deve vir aos poucos, mistério sempre é bom – apimenta. Não adianta se jogar no chão, espernear, chorar, berrar e me colocar em um pedestal mais alto ainda que eu não fico, não te escrevo e nem te mando notícia. Sei que pode parecer cruel, mas a vida é cruel e eu também sei ser. Também não me escreva e nem tente chamar minha atenção com promessas de mudança, chega! Cansei, abusei, já falei.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Ah, se eu soubesse sabiá


Lembro a primeira vez que te olhei: você estava brincando naquele verde abacateiro, pulava de galho em galho na companhia de outros semelhantes seus, mas se destacava – tuas penas me pareceram as mais brilhantes de todas; o teu canto o mais alegre e suave e, sem perceber, eu me encantei por você.  Mas não quis de modo nenhum te prender e você bateu asas para longe de mim.
Logo me esqueci de você, até que no outro dia, lá estava tu naquela árvore. Fiquei a observar-te, sem coragem de chegar perto e quando menos esperei, sabiá, você posou em meu dedo, cativando-me e se responsabilizando por mim e por meu pobre coração que, até então, pouco conhecia do amor.
Ah, querido, como fiquei feliz em poder ter-te todos os dias nas mãos sem precisar tirar-te a beleza da liberdade. Foram tão felizes aqueles tempos em que brinquei campos a fora contigo. Foi então, que a vida zangou-se comigo e te atraiu para outro abacateiro, longe de mim.
Chorei tempo grande demais por tua ausência, doía-me tanto o peito que achei não puder suportar, caí enferma devido ao mal da solidão. Demorou para que eu pudesse aceitar a ideia de te tirar de mim, mas comecei a aceitar. Estava eu a olhar o abacateiro decidindo-me por corta-lhe e arrancar junto à raiz o resquício de sentimento por você. Quando então, ouvi teu doce canto e meus olhos foram presenteados com tua desejada presença. A tristeza do meu ingênuo coração foi-se embora e foi tanta a alegria que imediatamente agarrei-me a tuas fortes asas e voei junto a ti.
Mesmo com um medo enorme de te perder outra vez eu não te prendi. Deixei-te livre e confiei-te, pois você havia me contada que não tinha ido embora por vontade própria; confessou-me que a vida te obrigou e não te deu tempo para despedidas. Pudemos a voltar às brincadeiras felizes de antes, só que desta vez, mais grudados; eu te queria um bem danado e você não ficava atrás, sei que me presenteou com verdadeiro amor; não duvido que fosse tudo sincero, nem tampouco, que deixou de ser! Ah, pássaro estimado, fui tão feliz ao lado teu.
É, caro sabiá, não sabia eu que a vida nos separaria outra vez, quando naquela outra os ventos do destino te trouxeram para juntinho de mim eu achei que furacão nenhum te arrancava de perto. Mas, ai, passarinho, como engana essa vida.

Para ti meu sabiá amigo, que voou para longe e não quer mais voltar.

Sabiá lá na gaiola / fez um buraquinho
Voou, voou, voou, voou / E a menina que gostava
Tanto do bichinho / Chorou, chorou, chorou, chorou
Sabiá fugiu pro terreiro / Foi cantar lá no abacateiro
E a menina vive a chamar / Vem cá sabiá, vem cá
Sabiá lá na gaiola...
A menina diz soluçando / Sabiá estou te esperando
Sabiá responde de lá / Não chores que eu vou voltar”

(Sabiá lá na gaiola- Hervé Cordovil e Mário Vieira)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Eita, Brasil!

No dia 8 de junho deste ano, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) conseguiu ter aprovado e encaminhado para o plenário o Projeto de Lei 1876/99, que reforma o Código Florestal.  Essa proposta, segundo o então deputado, visa favorecer a área agrícola de nosso país; o que a meu ver não atinge ao interesse da nação, mas sim o d poucos: latifundiários; cheira-me a ganância e ambição.
Esta reforma propõe: a suspensão de pena e multa para aqueles que realizaram desmatamento ilegal até julho de 2008 e ocupações recentes em Áreas de Preservação Ambiental sejam mantidas até que o governo elabore um projeto de recuperação ambiental, que inclusive, terá a responsabilidade de criar projetos para recuperação ambiental; permite que os Estados reduzam e 50% as áreas de preservação ambiental; permite mais desmatamento em qualquer bioma em todo o país; abre espaço para que o Estado desmate qualquer área de preservação permanente, caso declare que a obra terá utilidade pública; entre outras (saiba mais aqui).

Deputados favoráveis: Anselmo de Jesus (PT-RO)
Homero Pereira (PR-MT)
Luis Carlos Heinze (PP-RS)
Moacir Micheletto (PMDB-PR)
Paulo Piau (PPS-MG)
Valdir Colatto (PMDB-SC)
Hernandes Amorim (PTB-RO)
Marcos Montes (DEM-MG)
Moreira Mendes (PPS-RO)
Duarte Nogueira (PSDB-SP)
Aldo Rebelo (PCdoB-SP)
Reinhold Stephanes (PMDB-PR)
Eduardo Sciarra (DEM-PR)

Deputados contra: Dr. Rosinha (PT-PR)
Ricardo Tripoli (PSDB-SP)
Rodrigo Rollemberg (PSB-DF)
Sarney Filho (PV-MA)
Ivan Valente (PSOL-SP)


Pois bem, meus queridos, peçam que averigúem a importância de tal fato; peço que pensem com carinho e, caso achem importante, divulguem como quiserem (com seus próprios textos, enviando este ou outros, contando, mas divulguem). Obrigada, amores, um beijo.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Nos reencontros da vida - E a ansiedade

Para não se perder


Era dia de natal, tudo fazia com que se lembrasse dele, mas sua presença não se fazia. Mas que droga, era o coração começando a reagir. O gelo derretendo depois de um longo inverno de desamor.”
Helena esperou por todos os minutos daquela festa que ele adentrasse por aquela porta e retomasse tudo de onde havia parado; ria de pensar que, quem sabe, ele nem se dessa conta do tempo como ela se dava. Queria tanto poder olhar naqueles olhos outra vez, de uma forma diferente. Ah, ela queria que tudo fosse de outra forma, como ela sonhava agora. A realidade não atendeu aos pedidos de seu pequeno coração – ele não chegou.
Por vários dias esperou que ele chegasse de onde estava e colocasse em contradição todos aqueles seus medos, mas ele não veio e seus desejos ficaram apenas em sua cabeça. A ansiosa menina, pouco a pouco, se cansava de esperar, a razão batia-lhe a porta e ela voltava ao mundo real. Deixou de se arrumar tanto, resolveu aproveitar melhor as festas e cogitava uma possibilidade de tentar conhecer os bons partidos que lhe apareciam. Mesmo cheia de saudades e de uma dor estranha quando sussurrava baixinho aquele nome, entendeu que a vida era feita para se seguir em frente, sempre em frente. Repetia para si que ele havia passado, o coração protestava e ela bem sabia fingir.
Deu um primeiro passo, um segundo e quando, numa bela tarde, estava quase caminhando rumo ao futuro quando o vento lhe trouxe uma surpresa inesperada: Marcos entrava pela porta. Seus olhos se cruzaram e Helena achou que as poucas pessoas daquela sala podiam ouvir seu coração gritando: ‘eu sabia que ele viria, eu sabia’. Ficou parada, inerte, até que ele estendeu-lhe a mão:
-Oi, Helena? Tudo bem?
-Tudo, tudo bem.
Nossa como ele havia sido frio, queria puxa-lhe pelo braço e perguntar se ela nada tinha significado para ele; queria sacudi-lhe os ombros e pedir que ele a olhasse novamente, mas só conseguia concentrar-se nas batidas violentas de seu peito.
Ai, Deus, como doía à indiferença. Por quê?  Por que não causava mais efeito nenhum sobre ele?  E por dois dias, questionou-se freneticamente; precisava descobrir porque estava invisível àqueles lindos olhos.  Mas a vida outra vez resolveu surpreende-la, estava quieta, lendo algumas páginas de Caio Fernando e sentindo-se entendida, até que percebeu uma cadeira sendo puxada a seu lado: era ele.
-Oi, priminha, como anda a vida?
-Tudo ótimo. E tu?
-Bem, bem. Ah, que livro é esse?
Discorreram por horas sobre livros e autores, preferências. Falaram um pouco da vida, dos planos para o futuro, sem tocar nem de longe no passado proibido. Mas ele inventou de olhar para o relógio:
- Bem, eu vou indo ali. Quer ir comigo? Violão, com uns amigos, só.
-Acho que não vou me sentir muito a vontade- que droga, como era burra, devia ter dito um sim.
-Claro. Hum, a gente pode fazer alguma coisa hoje à noite. Aliais, vai passar ano-novo na praia com todo mundo?
-Vou sim.
-Ah, melhor assim, então.      
Ela nem acredita, seu coração dançava em um Tum-tum desesperado, teria mais alguns dias para tentar conquistar outra seu primo. Ela conseguiria, conseguiria sim.