terça-feira, 18 de junho de 2013

Sabiá




Há tanto que não te vejo e não ouço ninguém falar do teu cantar que quase me esqueci de ti. Foi quando hoje, olhei pela janela e vi o abacateiro, nem havia me dado conta de que ele ainda existia. No instante primeiro não consegui identificar o que tal frutífera me lembrava, até que pensei escutar um canto, canto bonito – que encanta como canto de seria – aí, lembrei-me da tua antes estimada presença e dos teus encantos. Pena que o coração não apertou. Me dói muito, passarinho, não sentir mais a falta tua, tu me fostes tão precioso. Mas não me lembro  ao certo porque voastes para longe de mim, meu terreiro era tão bonito...
Sei que a ausência primeira me dói mais que esta outra de agora, não existe mais vazio. O lugar que era teu se preencheu por um oco que muito me ensinou. Fizestes-me tantas promessas de retorno, mas nem a lembrança deixou que viesses me visitar. Aonde quer que estejas não te exaltes, não culpo somente a ti. Sei que também tenho eu colaboração gigantesca para teu sumiço. Reconheço: com o aperto da ausência fiquei despeitada, te queria tão perto de mim que só ajudei a te mandar para longe.
De fato descuidei do que te mantinha em mim, deixei de regar teu abacateiro – canto preferido teu no meu terreiro -; ainda cheguei a rega-lo algumas vezes com últimas lágrimas que derramei, mas o tempo passou e nem percebi que sua última folha caia. Ali, caiu junto à esperança e vontade de te ouvir cantar outra vez. O tempo aumentou seus dias e esqueci completamente do abacateiro.
Hoje, que por coincidência infeliz tive essa lembrança, decidi regar o caule seco pela última vez. Não vou cotar-lhe a raiz morta, no entanto, também não vou alimentar algo que já nem vive mais. Sei que no terreiro em que estiveres vai sentir um sopro fraquinho no pequenino coração e temer algo ruim. Mas aproveita essa sensação, esta é a última vez em que eu me lembro de ti.

7 comentários:

  1. Gabi, não canso de te elogiar. Que texto mais lindo! Me peguei fora da tela do computador, fora do teu texto, mas presa nas tuas palavras. Lindo, lindo!

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  2. Pensei em te dizer mil coisas,mas resolvi silenciar quando li isso: "Me dói muito, passarinho, não sentir mais a falta tua, tu me fostes tão precioso. Mas não me lembro ao certo porque voastes para longe de mim, meu terreiro era tão bonito..."
    Perfeito, moça. Perfeito.

    P.S: O meu sabiá vôou pra longe, e eu que pensei que não aguentaria acordar sem seus (en)cantos, sequer me lembro mais.

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  3. " Não vou cotar-lhe a raiz morta, no entanto, também não vou alimentar algo que já nem vive mais. " muito poético guria, muito bonito. Gostei bastante dessa tua "metáfora". Às vezes é bom, mesmo com saudade e boas lembranças, deixar o pássaro voar. beijinho

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  4. se o abacateiro for simbólico, deixe-o morrer. se for uma árvore , não. . fruto é bom :3

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  5. Há três meses e uma semana tu postaste esse poema tão profundamente lírico, tão irremediavelmente verdadeiro e tão irresistivelmente doce quanto paradoxalmente doloroso...
    Sabiá que foi... Abacateiro que fica... Cantos que nos embalaram... O que a vida foi e já não é, o que sentimos e já não identificamos sentir, a saudade que virou o vazio... Esplendoroso! Mágico. Tu és uma autora rara e: ou alcançaste profundo conhecer do que se sente na vida, ou sentes profundamente o que na vida alcançaste viver. Beijos

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  6. Quando gostamos muito de alguém a lembrança é involuntária. Pensamos na pessoa vinte e quatro horas por dia. Com o passar do tempo, vai diminuindo até virar mera lembrança e o sentimento nutrido morre.

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