quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Das miopias sentimentais



Você viu minha pose de moça durona e difícil, assim como também viu eu me despir dessa indumentária que não me serve confortavelmente. Viu meu humor ácido de mulher bem resolvida transformar-se em insegurança de menina mimada. Viu minha tranquilidade de falar em público sobre assuntos que saem no jornal, mas também me viu balançar o pé freneticamente antes de dormir e ser tomada por uma crise de ansiedade inexplicável. 
Viu aquela lagrimazinha no canto do olho que rimava com um bico característico do descontentamento se transformar em pranto. Viu o quanto posso ser grosseira se sentir a necessidade de me por na defensiva, mas também me viu sem defesa nenhuma. Viu minha mão estendida pronta a ajudar, mas viu também meu pedido de socorro.
Viu meu riso mais inocente, assim como viu meu lado mais malicioso. Me viu corar de vergonha, do mesmo modo que me viu perdê-la em segundos. Viu meus medos e me viu criar coragem. Viu a personificação da satisfação quando sua mão me acariciava a face, ao mesmo passo que viu a do descontentamento quando você teve de me deixar. 
Viu meus defeitos mais escondidos, a minha entrega dificultosa. Meus sonhos transformados em frases de efeito que não mostrei pra ninguém, além de você. Viu minha regra e minha exceção. Me viu dormir e acordar. Me viu ser menina e mulher. 
Você me viu nua. De roupa e de alma. E depois de tanto ter visto, eu me pergunto: como não conseguiu enxergar o quanto gosto de você?

3 comentários:

  1. Eu já te disse que teus textos são brilhantes, verdadeiras obras primas?! Acho que já... E já te disse que em alguns deles há pedras de toque, linhas de condução das ideias, que são verdadeiras pedras de engano?! Acho qir não... Esse texto tem uma pedra de engano formidável! A pergunta é: se já me viste nua de corpo e alma, como ainda não enxergaste o quanto gosto de ti? Tal pergunta é um engano. Tudo em que nos mostramos não significa tudo em que fomos, de fato, vistos. Se fôramos vistos em cada coisa que é detalhe de um todo, a pergunta de espanto seria verdadeira. Mas tal pessoa não nos viu, deveras, em cada um desses detalhes. Esteve ali, estivemos despidos diante de seus olhos, mas tal pessoa não se deu a nos ver tão evidentes! Por isso, não pôde concluir o quanto sentimos. O que é uma pena, porque mostrar-se é um dos processos mais doces da história da humanidade! Texto impagável, para variar... Beijossssssss

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    1. Teus comentários sempre enchem meu coração de felicidade.

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