domingo, 16 de janeiro de 2011

Nenhuma gotícula

Manuela era daquele tipo de mulher durona, quase nunca chorava na frente dos outros, no entanto não se aguentava em casamento; ela não sabia o ‘porquê’, mas sempre desaguava naquelas malditas cerimônias matrimoniais. Porém daquela vez ela não iria borrar a maquiagem perfeita, não iria descer do salto depois de algumas doses de tequila, iria manter-se impecável, não daria o braço a torcer, o prazer (a ela própria) de demonstrar aquela dor, não perderia para si mesma.

Aquela música idiota mais uma vez infernizava a sua audição – droga de marcha nupcial. Ela não iria chorar, nenhuma lágrima, nenhuma gotinha de sentimento, nadica de nada. Sempre tinha reparado na magreza daquela menina, sempre tinha observado como se sentia mais bonita quando ela estava por perto, sempre sentira-se superior, mas nunca (nunca mesmo) tinha sentido aquela pontinha de ódio em relação àquela moça; mas há de se reconhecer: Manuela sabia assumir para si mesma quando era visitada pelo bichinho da inveja. Porra. Aquela maldita noiva tava linda; pela primeira vez na vida ela realmente estava linda. Não, ela não queria matá-la, não queria que ela caísse; dessa vez a mente de Manuela não funcionava maleficamente; dessa vez ela só estava se deixando dominar pela inveja: queria mesmo era estar no lugar dela, com o vestido dela, com o homem dela. Só que ela não iria derramar nenhuma gota por isso.

Aquele padre hipócrita falava de amor, falava de uma vida a dois, em um tal de para sempre. O sim não foi dito, muito menos interrompido: foi gritado, foi sentido, aplaudido. Muito arroz jogado, muito azar desejado. Que aqueles dois fossem passar a lua-de-mel no Caribe, que passassem pelo inferno e que fossem morar no diabo que os carregue; podiam ser felizes debaixo da ponte, podiam ter filhos horrorosos, podiam ter a vida que Manuela sempre quis, que mesmo assim ela não cederia a uma única lágrima. E nem iria perder a festa, iria ser a última convidada a ir embora, dançaria a noite inteira e encontraria o novo cafajeste de sua vida, por que não o melhor amigo daquele desgraçado?

-Meus pêsames, Eduardo... finalmente encoleirado. – como ele estava ridiculamente lindo com aquele terno.

-Ah Manu, não acredito que você veio, que bom, que bom. Não faz ideia do quanto isso é importante para mim.

-É. Eu não faço.

-Aproveita a festa. Depois a gente se fala.

Diabos. Como ela odiava aquele beijo na testa; sim, porque beijo na testa era sempre falso, sempre mentiroso, beijo na testa sempre gosta de iludir. Trocou a tequila pelo gim, afinal é a bebida de quem perde alguém. Uhum, ela se considerava derrotada, de vez; ok, ela tinha perdido. Mas afinal de contas, perderá o que mesmo? Ele não passava de um canalha, era um canalha sim.

A festa estava ótima e ela já estava de saco cheio, já havia rodado todo o salão e optado por um canto isolado. Mais uma dose de gim. Droga.

-Me diz Manuela, fala para mim, sua burra; confessa que você está arrependida mais que nunca; que queria que essa porcaria de tempo voltasse. Confessa, confessa que você queria ter feito tudo diferente, vai sua imbecil.

-Falando sozinha, dona Manuela?

-Ah, é você? O louco da festa...

-Eita, que não desarma mesmo?

-Que você quer, hein Eduardo? Eu já não vim nessa sua festinha idiota, que mais você quer de mim?

-Ei, ei, eu te disse no inicio que eu voltava, não disse?

-Voltava? Voltava para onde? Para minha vida? É isso?

-Calma Manu, não vamos misturar as coisas...

-E quem está misturando alguma coisa aqui? Eu? Ou você?

-Manuela, você sabe que eu não te prometi nada, você sabe que eu não te iludi.

-Claro que não, senhor consciência limpa.Aquelas promessas de que ficaríamos juntos, aquela conversinha idiota de amor eram piadas não eram? Eu sei, sei que eram...mas eu sempre fui burra e lerda demais para achar engraçado a tempo.

-Manu, Manu, não confunde as coisas. Eu tinha 16 anos quando te falei, quando te escrevi aquelas coisas, você tinha só 13.Nós éramos duas crianças, tá na hora de a gente crescer, não acha?

-Você cresceu sozinho, quer dizer, sem mim, não é senhor ‘eu vou te esperar’?

-Olha aqui Manuela,se você quer mesmo saber, eu te amei, tá ok? Eu fui louco, louco por você. Foi você quem não voltou, foi você quem sumiu primeiro, eu não podia esperar a vida toda.

-Claro, Eduardo, claro. Três anos são uma eternidade, e você tem razão: aquele tempo já passou; você cresceu, meu querido, virou adulto e eu continuo a mesma criança...sem derramar uma única lágrima.

-Manu, volta aqui, espera, espera...

-Quem sabe eu espere uma próxima vez, quem sabe eu espere para seu próximo casamento.

8 comentários:

  1. minha nossa! você me fez imaginar tantas coisas e eu viajei longe, criei imagem, figura e fundo. E estou aqui imaginando o depois de Manu e Eduardo.

    a-d-o-r-e-i.
    beijo
    http://www.ingridbrasilino.com

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  2. Excelente!
    Adoro quando superas a ti mesma.
    Abç

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  3. Que profundo...faz uma continuação!

    Bjss

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  4. Ah, coitada :/ Os homens definitivamente não se tocam...

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  5. Homem é mesmo um bicho estranho e sem noção!

    Adorei a história!



    Beijos

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  6. Gostei do texto(fora a parte que menciona que todo homem na face da terra é cafageste, isso é mentira). Já to seguindo seu blog.

    Segue também: http://musiconto.blogspot.com/

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  7. Você sabe usar muita bem as palavras e elaborar bem os pensamentos..

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  8. adorei a manu, decidida pra caramba.
    parabens por criar essa personagem. muito forte.
    beijão
    smileonly-now.blogspot.com
    Raíssa :}

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