quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O trem das nove

Eram oito e meia da manhã. O dia cinzento estava em harmonia com o coração nostálgico. Antônio olhou mais uma vez para o relógio, havia prometido deixar o pai na estação, estava com pressa. Sua cabeça cheia de papeis, que o esperavam em sua mesa, roubavam descaradamente a atenção do moço que só respondia ao pai em monossílabos.
Em meio aos seus 'sim' e 'aham', acabou por fitar o velho e percebeu que o tempo havia passado. Apertou forte o volante: estava surpreso. O pai ainda tinha suas mil e uma histórias de aventura, ainda usava aquela mesma pulseira que fora de seu bisavô, mas seu rosto denunciava: havia perdido tanto.
Naquele instante, o filho reparou que seu Antenor havia sido roubado pelos anos: já não tinha sequer um fio de cabelo preto; os olhos não tinham mais o mesmo brilho, aquele par castanho estava quase opaco; o riso torto já não se fazia mais presente; e a barriga juntamente com sua postura curvada denunciava que ele havia perdido também a sua força.
Ah, Deus, como ele queria voltar no tempo. Sentiu os olhos arderem e o coração se encolher, doía. Doía muito ver o pai daquela forma. Queria só por mais um dia poder chegar da escola e correr pulando para aqueles braços fortes de outrora; com uma voz fina contar-lhe como havia sido corajoso e enfrentado o menino mais forte da escola; queria contar-lhe da primeira namorada e sobre como estava apaixonado. Mas o tempo, maldito tempo, amante de todos, contou-lhe que seu pai errava que ele era humano e possuía defeitos, assassinando cruelmente a admiração que sentia pelo velho. Uma lágrima banhou-lhe a face. Mas o coração era duro e os carros buzinavam atrás dele para que ele prossegisse e continuasse empurrando tudo com a barriga - sem sentimento.
Outra vez agiram os ponteiros do relógio da vida encurtando o caminho até a estação. Chegará a porta, mas diferente das outras vezes ele sentia-se obrigado a deixar o pai no trem, vontade mesmo. Estacionou o carro e carregou as malas de um pai cansado.
Ainda lhes restavam dez minutos, outra lágrima caiu. Seu Antenor olhou o filho com aquela mesma ternura que o olhava quando ele chegava em casa chorando por ter apanhado ou perdido uma namoradinha. Abraço-o calorosamente dizendo: 'filho, não chores pelos anos que a vida levou embora, não derrames tuas lágrimas secas por esse velho que se vai'.
Tomou as malas das mãos do menino, deu-lhe um beijo: o primeiro de muitos e último de uma eternidade, subiu no trem. Eram cinco para as nove horas - o trem se preparava para partir. Antônio quis segurar o pai, pedi-lhe para ficar, ficar e perdoar; para aceitar o amor que havia guardado em uma gaveta como os velhos desenhos, mas eram nove horas e o trem não se atrasava. Eram nove horas e o trem tinha de partir. Eram nove horas e o trem partiu.

4 comentários:

  1. Ah esse trem, que na maioria das vezes, nao tem hora nem lugar para chegar...Atropela tudo pela frente, e nós meros espectadores, não conseguimos impedi-lo.
    Lindo texto! Adorei !
    Beijos

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  2. Amor de pai e filho... Aiii :(((
    "o amor que havia guardado em uma gaveta como os velhos desenhos, mas eram nove horas e o trem não se atrasava. " Lindo!

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  3. O amor que existe entre pai/filho(a) ou mãe/filho(a) é imensurável. Lamentável que com o dia-a-dia corrido que a maioria tem hoje em dia, deixemos passar muita coisa interessante =//

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  4. Se existe um amor eterno é esse.

    Lindo post, Gabi, realmente emocionante, do tipo que a gente lê, viaja e suspira.

    Beijo, beijo.

    ℓυηα

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